A batalha de Jenipapo

A batalha de Jenipapo

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A batalha de Jenipapo

3 Piauí em 1823

As idéias liberais chegaram ao Brasil no século XVII e já começaram a ocorrer em algumas províncias o sentimento de emancipação em relação a coroa portuguesa com a chamada conjuração mineira de 1789, a inconfidência carioca de 1794, e a inconfidência baiana de 1798. Todas imbuídas em uma causa comum, ou seja, em torno das idéias liberais.
Esses acontecimentos não podem ser entendidos fora do seu contexto mais amplo. Constituíam as primeiras manifestações mais significativas de uma série de rebeliões que iriam marcar o trânsito do Brasil do antigo sistema colonial português para os quadros do imperialismo da potência mais industrializada da época. Os motins de 1821 que atingiram, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, criaram o ambiente para a proclamação da independência e anunciaram a eclosão das guerras de emancipação.
Mesmo tendo negociado, a peso de ouro, a independência do Brasil, Portugal não escondia suas pretensões de permanecer dominando parte do território brasileiro, particularmente a região norte e meio – norte do Brasil.
Era anseio da coroa portuguesa ter sob seu domínio a província do Grão – Pará, englobando os atuais Estados do Piauí, Maranhão e Pará.
Todavia, a inquietação da população era grande. A vila de Campo Maior efervescia de ideais pró – independência. Oeiras não era diferente, mas Parnaíba deu o primeiro passo.
Alguns autores afirmam que o sentimento de nacionalidade tem início em 1808 com a chegada da família real ao Brasil. Não compactuamos com esta visão, pois basta lembrarmos que a coroa veio forçadamente para a colônia fugindo do exercito de Napoleão. Apoiados nas teses de Hobsbawm acreditamos que o sentimento de nacionalidade tinha uma característica regional, ou seja, o nacionalismo estava ligado mais com as províncias do que com a constituição do Brasil como um todo.
Na parte econômica, o Piauí era bem diferente do que vemos hoje. A atividade pecuária crescia em larga escala. Além da pecuária, o comércio de algodão era considerado o melhor do Brasil, o fumo e a cana – de – açúcar também eram comercializados.
Em 1821, com a volta da coroa para Portugal, estes levaram todo o dinheiro dos cofres brasileiros, algumas províncias começaram a rebelar-se.
Por outro lado, as províncias do norte deviam irrestrita obediência e lealdade a Portugal. O Piauí compunha a nação portuguesa. Era uma espécie de Portugal em plena caatinga. Oeiras, a capital, era infestada de portugueses que queriam a todo o custo ficar com a parte mais rica do Brasil.
Dividido entre as pretensões dos liberais que desejavam a independência e os portugueses que tentavam permanecer com a política colonialista, D. Pedro I proclamou a independência do Brasil em sete de setembro de 1822. Apesar de proclamada a independência, esta não foi homogênea em toda a colônia. No Piauí a noticia chegou em trinta de setembro. A independência precisou ser conquistada no campo de batalha, com o conflito as margens do rio Jenipapo ocorrida meses depois, em março de 1823.
Com a região sudeste da colônia tornando-se cada vez mais independente, Portugal volta-se para a parte mais rica da colônia, que era o norte. Para esta conquista definitiva, Portugal mandou um experiente militar para comandar as tropas portuguesas, o oficial João José da Cunha Fidié, que chegou a Oeiras no segundo semestre de 1822.
As idéias revolucionárias desenvolvidas pelos piauienses vinham da França, do Estados Unidos e de Portugal. A classe dominante e pró – independência propagava os ideais liberais para a massa de portugueses pobres, com uma visão deturpada, fazendo-os crerem na certeza de que homens e mulheres nascem iguais e fazendo - os aderirem a causa da independência.

3.1 Trajetória de Fidié

João José da Cunha Fidié, iniciou sua vida militar como cadete em Janeiro de 1809 no regimento de infantaria n.º 10, tomou parte na guerra da península, participou das batalhas do Buçaco, Albuera, Vitória, Pirinéus, Nivelle, Nive, Orthez e Tolouse, aos sítios de Olivença e Badajoz, e a diversos combates e ações que ocorreram até ao fim da campanha.
Ofereceu-se depois para ir à divisão dos voluntários em Montevidéu, mas não foi admitido por ser tenente moderno. Em 1817 embarcou para o Brasil uma divisão portuguesa, e como o seu regimento não havia sido nomeado para essa expedição, trocou com um oficial de infantaria n.º 15, conseguindo assim partir para a América, onde serviu em 1817 e 1818.
Foi ajudante de ordens do governador da ilha da Madeira em 1819 e 1820, sendo nomeado em Dezembro de 1821, governador das armas da província de Piauí. Voltando então de novo ao Brasil, tomou posse daquele cargo em Agosto de 1822.
Chamado pelas autoridades de Caxias, foi dirigir a defesa dessa vila, mas crescendo as forças dos revoltosos ao passo que as dos defensores iam diminuindo pelas privações e pelo desalento, a praça rendeu-se e Fidié foi preso e mandado oito meses depois entre uma escolta para a cidade de Oeiras. Transferido para a Bahia, passou ao Rio de Janeiro onde ficou encarcerado na fortaleza da Vila Ganhão, até que D. Pedro lhe deu liberdade, permitindo-lhe que regressasse a Portugal. Em 1825 foi nomeado primeiro comandante do Real Colégio Militar, e por vezes durante a ausência do diretor, ficou encarregado da direção deste estabelecimento até que, saindo de Lisboa e apresentando-se no Porto ao duque de Bragança, foi por ele nomeado subdiretor do arsenal daquela cidade. Regressando depois a Lisboa, foi diretor efetivo do Colégio Militar desde 1837 a 1848, ano em que teve a sua exoneração, reformando-se em 1854 no posto de tenente-general.
A vinda de Fidié para o Piauí, um oficial de alta patente e de grande honra em Portugal, com ordens expressas para atuar com energia e assim, a todo custo sufocar e reprimir o processo de independência revela a importância desta parte do Brasil para a coroa.



3.2 Reconhecimento da Independência do Brasil no Piauí


Liderados pelo Dr. João Candido de Deus e Silva, grande magistrado e autor de um dos primeiros ensaios sobre liberalismo no Brasil e mais tarde membro do parlamento imperial e juntamente com a maior fortuna do Piauí, Simplício Dias, em 19 de outubro de 1822 a câmara provincial de Parnaíba reconheceu a independência do Brasil. Era um convite a libertação e um não a presença militar portuguesa em terras piauienses.
Notamos que o ideal liberal interessava as elites, ou seja, os ex – escravos, os portugueses pobres, enfim, a classe mais baixa foi usada como massa de manobra acreditando na liberdade e igualdade entre os homens.
Apesar de um certo alinhamento às cortes portuguesas, os parnaibanos reconheciam a autoridade de D. Pedro de Alcântara, defensor perpétuo do Brasil. Campo Maior, também era um caldeirão de idéias libertadoras.
Com a declaração parnaibana de independência, não restou alternativa a tropas leais a Portugal comandadas por Fidié, senão sufocar militarmente o levante revolucionário no litoral e ao mesmo tempo ver como estava a situação em Campo Maior. A preocupação de Fidié era um foco de resistência portuguesa diante do sentimento antilusitano dos campo – maiorenses.
Corroborando com o boato de que Portugal queria ficar com a parte Norte do Brasil, os portugueses enviaram uma enorme quantidade de armas por volta de 1820, além da vinda de Fidié a Oeiras como governador das armas.

3.3 Tropas Portuguesas a Caminho de Parnaíba


Quando Fidié soube da proclamação feita pela câmara de Parnaíba, estreitando os laços com o império brasileiro, decidiu formar uma força expedicionária com quase todo o seu efetivo militar em direção a Parnaíba, objetivando suprimir os insurgentes e frear a onda libertadora na região.
Para os padrões da época, o caminho de Oeiras para Parnaíba era muito extenso, cerca de 660 quilômetros.
Após onze dias de marcha Fidié chega em Campo Maior, e é recebido por parte da população com o característico sentimento antilusitano, mas por uma parte da população foi recebido com vivas e para demonstrar sua força, Fidié permanece por ali acampado por alguns dias.
Em Parnaíba, os independentes fogem para o Ceará ao saber da incursão de Fidié e quando este chega não encontra nenhuma resistência e restabelece a dominação portuguesa ficando por ali aproximadamente dois meses.
Enquanto as tropas de Fidié restabelecem o poder português em Parnaíba, em Oeiras esperavam a sua saída para proclamarem sua adesão a causa de independência, fato ocorrido em janeiro de 1823.
Declarando todo povo piauiense como inimigo efetivo de Portugal, um destacamento de mil e cem homens partem de volta para Oeiras com uma parada em Campo Maior.
Tropas vindas do Ceará chegam em Campo Maior em fevereiro de 1823 com um efetivo de cem praças objetivando ajudar a libertação do Piauí.
Essa tropa estacionada em Campo Maior, reuniu pessoas da província como a vila de Pirarucuca em que em sua passagem, o exército português encontra uma cidade abandonada. Ao saber do deslocamento de Fidié vindo de Parnaíba, a cidade inteira se mobilizou.




3.4 A Guerra de Jenipapo


Na noite de doze de março de 1823, as tropas cearenses arregimentaram todos os homens das vilas vizinhas montando um exército de aproximadamente dois mil homens e formando assim, um pacto de todos para a luta.
Mesmo sem fardas, a coligação dos combatentes cearenses e piauienses obedeceu ao sinal de comando, suas armas eram espadas velhas, machados, foices e algumas espingardas usadas.
A coalizão dos independentes chegam as margens do rio Jenipapo, de onde pretendiam impedir a passagem do exército português, porém, além de estarem praticamente desarmados, alguns tinham pouca e outros nenhuma experiência em guerras.
Como no mês de março o rio fica quase seco, a maioria dos soldados aferraram em seu leito. Quando as tropas portuguesas próximas a uma bifurcação, o comandante Fidié ordenou que a tropa fosse dividida e que cada uma passaria por uma estrada.
No momento que as tropas portuguesas chegaram próximas ao rio, estas foram atacadas inesperadamente e acabaram recuando e ouvindo os tiros, todos os insurretos saíram de suas posições e foram perseguindo os portugueses pela estrada.
O comandante Fidié, percebendo o vazio deixado pelos portugueses, passou rapidamente o grosso da tropa para o outro lado do rio, escolheu um local favorável, cavou trincheiras, distribuiu armamento pesado, colocou em linha todos os seus atiradores e esperou o retorno dos brasileiros.
O saldo foi de duzentos brasileiros mortos e aproximadamente quinhentos feridos. No lado português sabe – se apenas que os mortos foram enterrados em cinco covas.
O maior mérito desta batalha foi sem dúvida o redirecionamento que o exército português tomou, pois extremamente cansados e com pouca comida, ao invés deles seguirem para a capital Oeiras e tentarem sufocar a adoção à independência por lá, foram para Caxias, no Maranhão, onde a força portuguesa ainda era grande e seu exército podia ser recebido com flores e não com facas e foices e poderem reorganizar-se.
Assim, a batalha de Jenipapo consolidou – se como a batalha mais sangrenta no processo de lutas pela independência do Brasil. Portanto, considerando que o grito as margens do Rio Ipiranga foi meramente um ato simbólico, este conflito entre portugueses e brasileiros as margens do Rio Jenipapo teve importância fundamental para a consolidação do território nacional e não ocorrendo o desmantelamento ocorrido na América espanhola.
A derrota não desanimou os que queriam a independência, eles se recompuseram e pediram auxilio ao general Labatut, em operação na Bahia.
Alguns homens da força expedicionária cearense que combateram em Campo Maior vão posteriormente penetrar novamente no Piauí,visando não mais esta, que já era uma província imperial, mas a província vizinha que se constituíra o centro das operações contra a idéia de independência.



3.5 Pensamento dos Piauienses no Processo de Independência



Sabemos, em perspectiva teórica, após Marx, que não podemos compreender com clareza as formas de pensamento enquanto não descobrirmos as suas origens sociais. Por outro lado, podemos interpretar a sociedade nordestina da década de vinte do século XIX, como uma sociedade escravista e nesse sentido, esta sociedade guarda algumas características básicas.
Portanto, não é correto aplicarmos para a compreensão dos conflitos pela independência e das formas de pensamento emergentes um esquema explicativo do tipo luta de classes, pois a sociedade não era de classes.
Valendo – se da compreensão do universo rústico da população piauiense, procuramos indicar as interferências dos valores liberais europeus na província do Piauí, que deram origem a avaliações ideológicas, tomamos como base as áreas que ocorreram insurreições de cunho liberal no Brasil ainda atrelado a Portugal.
Assim, a convergência para um objetivo comum, a separação de Portugal, apesar de partes especificas de determinados grupos sociais estarem imbuídos de um mesmo objetivo, eles tem um pensamento diferenciado acerca do que seria liberdade e igualdade em uma província independente de Portugal.
Nesse sentido, podemos perceber que a elite era permeada pelos ideais liberais e seus valores na questão meramente econômica.
O caráter popular, portugueses pobres e caboclos, dos que desejavam a independência era representado pelo sentimento que podemos denominar de lusofobia, ou seja, repúdio de tudo o que vem de Portugal.


3.6 Os Insurretos e a Independência

Em um oficio enviado pelo então coronel comandante da armas do Piauí, Joaquim de Souza Martins, ao comandante das armas do Ceará referindo-se aos acontecimentos políticos que se deram na província, este descreve a bravura do comandante das tropas insurrecionais, Luiz Rodrigues Chaves na batalha do Jenipapo e que nas ações de combate, Fidié torna-se vitorioso.
Ou seja, o comandante Luiz Rodrigues Chaves perdeu apenas pela inferioridade do seu exército e foi um homem de grande honra e que por isso, o governador das armas do Piauí faz um pedido para que Luiz Rodrigues Chaves torne-se governador das armas do Ceará.
Em uma carta do sargento – mor Manuel Lopes Teixeira do Regimento número da infantaria de milícias da província do Piauí, também participante da batalha de Jenipapo, este observa que no combate de Campo Maior, o capitão Luiz Rodrigues Chaves, da província do Ceará, no meio do combate, saiu do seu posto fugindo vergonhosamente e com isso, incentivou o processo de desordem e debandamento da tropa.

Representação ao governo da Bahia, informando estar a província do Piauí quase toda pacificada e organizada, menos a Vila da Parnaíba, onde ainda resistem a nossa independência alguns portugueses comandados pelo major João José da Cunha Fidié.

Requerimento encaminhado ao Ministerio do Imperio, solicitando nomeaçao como secretario da provincia de Sergipe del Rei ou do Piaui.

Documentos referentes ao pedido de transferência da sede do governo da província, de Oeiras para a Vila da Parnaíba.


Ofício a Joao Vieira de Carvalho, referindo-se aos acontecimentos políticos do Piauí


Ofício remetendo ao governo imperial as contas da câmara e comandante geral da vila de Caxias, relativas ao procedimento do governo expedicionário e tropas auxiliadoras das províncias do Ceará e Piauí, estacionadas na mesma vila, contas pelas quais se vê o estado de miséria a que se reduziu a cultura da província.



Requerimento encaminhado ao Ministério do Império, solicitando autorizaçao para ir a Inglaterra pleitar ajura em barcos e [honuns], a fim conter as revoltas no Maranhao e Piaui.


Proclamação do juiz de paz da Vila de Parnaíba, alertando o povo, que não comparece à igreja, nem às festas religiosas.




Ernest Geliner. Nações e nacionalismo. Editora Gradiva

NETO, Adriano. 13 de março: uma data injustiçada, www.cadernos históricos monsenhor Chaves, 2004.

LAURENTINO, Pedro. Os anônimos heróis do Jenipapo. Jornal A VERDADE, 70, 2006.

PRADO JUNIOR,Caio. Formação do Brasil contemporâneo, Brasiliense, São Paulo. 23º ed. 1994.

CARDOSO, Fernando Henrique. O Brasil Monárquico V. 2: dispersão e unidade. Bertrand Brasil. 8ºed. Rio de Janeiro. 2004.

MONTEIRO,Tobias. História do Império: a elaboração da independência 2º Tomo II. Instituto Nacional do Livro. 1972.

TAVARES, Luis Henrique Dias. A independência do Brasil na Bahia. 2º ed. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Livro. 1982.

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