A batalha de Jenipapo

A batalha de Jenipapo

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Um debate historiográfico

2 Um Debate Historiográfico

Em nossa discussão sobre o Estado, podemos começar com a célebre definição de Max Weber. Segundo este autor, o Estado detém o monopólio da violência legitima na sociedade1.
Esta idéia parece para nós um pouco simplista, porém bastante sedutora, pois em sociedades organizadas como a que vivemos, a violência privada é ilegítima. Portanto, a violência legítima só pode ser aplicada pela autoridade política central ou por aqueles que ela delega este direito.
Assim, observamos que entre as várias sanções aplicadas à manutenção da ordem, a mais radical de todas, a força, só pode ser aplicada por uma instituição social específica claramente identificada, bem centralizada e disciplinada. Estas instituições ou o conjunto dessas instituições é o Estado.         
Ao fazermos uma análise  desse poder exercido pelo Estado, devemos tentar abstrair ao máximo todos os instrumentos coercitivos que nos cercam, evitando assim, uma reflexão contraditória ao aplicarmos um pensamento imposto a nós pelo Estado ao poder repressivo estatal.
Para Pierre Bourdieu, sob todos os aspectos, o Estado aparece para nós como um poder de repressão legitimado pelas sociedades tanto civil quanto política e ao mesmo tempo, este poder tenta justificar sua perenidade através da violência física e simbólica, ou seja,  o aparelho de regulação estatal pode ser entendido como uma ação consciente, mas que mascara uma outra inconsciente.2
Em uma perspectiva homogeneizadora, a cultura aparece como instrumento principal de organização estatal, em que o intelectual ganha posição central na disseminação dos códigos culturais legitimando ou ilegitimando algum ato.
Sendo assim, até mesmo os movimentos dirigidos contra o Estado inconscientemente pedem a sua legitimação.
Com isso, podemos compreender o Estado como um conjunto de instrumentos de poder tanto físico quanto simbólicos encontrados na sociedade.
Assim, é através da violência simbólica que o Estado atua no inconsciente de determinados grupos sociais atingindo seus modos de pensar o mundo e conseqüentemente pensar o próprio Estado. Portanto, a construção do Estado caminha em paralelo com a construção de instrumentos de poder.
No Marxismo, a tendência é a de enxergar a solução do problema político não na subordinação da sociedade civil ao estado, mas o contrário, na absorção do estado pela parte da sociedade civil, na qual consiste a democracia verdadeira  e cujo instituto fundamental tende a eliminar a diferença entre estado político e sociedade civil3.
Marx confirma com precisão a dependência do estado da sociedade civil e do poder político da classe dominante, quando põe o problema da passagem do estado, em que a classe dominante é a burguesia, para o estado, em que a classe dominante é o proletariado.
Ou seja, em nossa investigação sobre a constituição do Estado do início do século XIX, estamos propondo uma esquematização procurando coordenar esses conceitos buscando apresentar uma configuração estatal desse período.
Caracterizado pela transição das sociedades do Antigo Regime e o início do chamado Estado Moderno, podemos interpretar esse Estado como o organismo de transição, em que após a ascensão da burguesia ao poder, esta usa o poder simbólico para a perpetuação dos esquemas de dominação sobre a classe mais pobre.             



2.1 Liberalismo na França

Em nossa análise do quadro social brasileiro do início do século XIX, devemos nos reportar primeiramente à História e idéias da revolução de 1789 na França, pois suas conseqüências tiveram grande influência não só no Brasil, mas em toda Europa e América espanhola.
A Revolução Francesa derrubou uma ordem estabelecida durante séculos. Assim, a Queda da Bastilha, em 1789, destruiu um tipo específico de propriedade e a forma de Estado já consolidada, afirmando como sua base, a igualdade, liberdade e fraternidade.
Portanto, costumamos caracterizar a revolução francesa como uma revolução burguesa, mas burguesa foi a classe que dessa revolução emergiu.
Podemos constatar também que houve uma série de forças sociais empenhadas na destruição do regime absolutista monárquico e também na destruição dos resquícios modo de produção feudal.
Torna-se importante que nos detenhamos  nas movimentações das massas nos campos a nas cidades que já promoviam grandes agitações mesmo antes de 1789. Assim, a grande revolução estava em marcha e nenhuma força tinha condições para detê-la naquelas circunstâncias históricas.
A força da plebe fez cair o regime absolutista, mas podemos ver que aquele povo revolucionário não imaginava que a imediata instauração de um regime de igualdade e fraternidade era apenas um sonho.
Com essa análise, podemos concluir que a liberdade, o entendimento entre os homens e uma nova era de fraternidade, enfim, todas as grandes idéias que formavam a consciência da revolução, acabaram reduzindo-se as liberdades burguesas, ou seja, liberdade político – formal e a igualdade somente jurídica entre os homens.
Nesse sentido, interpretamos esse quadro político, essas idéias liberais francesas, articuladas a ascensão da classe burguesa,  influenciaram todo o pensamento político do mundo moderno.
Vemos então, a inserção inaugural  de um novo sistema político em que podemos descrevê-lo na lógica da oferta e da procura, como a desigual distribuição dos instrumentos de produção de uma representação do mundo político e social já formulada.
Esses ideais liberais fundamentaram principalmente o campo político, em que a concorrência entre os grupos que estão nela envolvidos, o cidadão comum é reduzido meramente ao status de acolhedor dessas idéias que implementa de forma simbólica os ideais burgueses.
Em síntese, podemos concluir que os ideais liberais do final do século XVIII e início do XIX não têm um sentido democrático como costumamos usar em nossos dias.
Investigando o que  foi  dito por Adam Smith em a Riqueza das Nações, em que ele argumentava a doutrina liberal no sentido de afirmar que os capitalistas só pensam em seus lucros, mas para lucrar têm que vender produtos bons e baratos. O que, no fim, é ótimo para os consumidores.
Portanto, já que o individualismo é bom para toda a sociedade, o ideal seria que as pessoas pudessem atender livremente a seus interesses individuais.
Para Adam Smith, o que atrapalhava os indivíduos, o que impedia a livre iniciativa comercial era a intervenção do Estado. Assim, ele defendia o estado mínimo, portanto o Estado deveria intervir o mínimo na economia, ou seja, os investimentos do comércio não poderiam ter nenhuma barreira reguladora do Estado.4
Outro grande filósofo e economista contemporâneo de Adam Smith que teve grande influência no pensamento liberal foi David Ricardo. A sua teoria das vantagens comparativas constituiu a base essencial da teoria do comércio internacional.
Ele demonstrou que duas nações podem beneficiar-se do comércio livre, mesmo que uma nação seja menos eficiente na produção de todos os tipos de bens do que o seu parceiro comercial.
Portanto, David Ricardo defendia que nem a quantidade de dinheiro em um país nem o valor monetário desse dinheiro era o maior determinante para a riqueza de uma nação.     
Segundo o autor, uma nação é rica em razão da abundância de mercadorias que contribuam para a comodidade e o bem-estar de seus habitantes. Ao apresentar esta teoria, usou o comércio entre Portugal e Inglaterra como exemplo demonstrativo.5
Assim, podemos ver que ambos não concluem meramente um tratado de economia, mas sim uma peça de um quebra-cabeça dentro de um sistema filosófico amplo que parte de uma teoria da natureza humana para uma concepção de organização política em que a burguesia iluminista necessitava de uma doutrina que propunha a propagação de ideais capitalistas.
Portanto, toda essa doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista, em que ao defender a predominância da liberdade dos interesses individuais da sociedade, estabeleceram uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedades de classes. 
 Assim, vemos entrando no Brasil uma grande e sucessiva  importação de ideais e doutrinas liberais durante todo o final do século XVIII e início do XIX. Nesse período, a liberdade era o grande tema de discussão no espaço público, sobretudo com as medidas tomadas por D. João VI a partir do estabelecimento da Corte no Brasil.
Para entendermos a inserção do pensamento liberal no norte brasileiro devemos nos reportar à ideologia.   
Investida à sociedade, àqueles homens que eram pares e que tinham, na igualdade diante da lei, um dos fatores que poderiam justificá-la, que garantiam a vida e a propriedade.
Nesse momento, podemos definir que  esses direitos passaram a ser considerados inalienáveis e geraram o constitucionalismo com base nas experiências política francesa e norte-americana. A classe dominante enraizada no Brasil começou a entender a liberdade como fator de igualdade total com Portugal6. Ou seja, dentro desse contexto e dos interesses econômicos, passaram a desejar que o então Reino do Brasil permanecesse autônomo e livre, mas em igualdade de condições e de direitos com a antiga Metrópole.
O liberalismo da década de 1820 não concebia o Brasil como uma entidade autônoma e associava os descontentamentos brasileiros ao despotismo do Antigo Regime e à sua forma de administrar o território americano, circunscrevendo-o ao âmbito político.
Ao restabelecer a sua hegemonia sobre o império, tudo voltaria à normalidade e as terras brasileiras seriam tratadas com igualdade, como qualquer outra província do Reino.
Com essas posturas, aproximavam-se do "patriotismo mercantil" existente em Portugal, na época.
Assim,  as propostas parlamentares tinham seus encantos para os negociantes da velha Metrópole, pois previam a retomada dos monopólios e consideravam o Brasil apenas mais uma província para onde se poderia enviar tropas que defendessem as suas consignações principalmente no Nordeste7.
Portanto, o que estava em pauta era a discussão da liberdade entendida como autonomia.
Evidentemente, a anarquia e a desordem, contrárias à liberdade, também mobilizavam a todos. Os impressos destilavam lições de liberalismo e disputavam o que seria melhor, se a soberania da Nação ou a soberania popular.
Assim, coube aos contemporâneos e as gerações posteriores embasarem a criação da Nação brasileira diferente da Nação portuguesa.
Podemos constatar a existência da busca na história passada de um nacionalismo que estava em desacordo e que sequer existia como conceito e realidade, procurando articular uma memória do país fundada nos acontecimentos e no heroísmo de homens tidos como homens de visão, mártires e patriarcas da independência.
Em suma, o conceito de nacionalismo na década de 20 do século XIX é diferente do nacionalismo contemporâneo. Existe uma metodologia aplicada a este conceito que leva-nos a perceber que um sentimento nacionalista entre os negros africanos e as classes menos favorecidas não existiu nos moldes como vemos este conceito hoje.
O nacionalismo é essencialmente, um princípio político que defende correspondência entre a unidade nacional e a unidade política.
O princípio nacionalista repudia o fato de os governantes de uma unidade política pertencerem a uma nação diferente da maioria dos governados.
   Logo, por meio do debate das cortes depreendemos que, para as classes dominantes dos dois lados do hemisfério, a liberdade significava o direito de conservação da propriedade, fosse em âmbito privado ou no círculo mais ampliado do comércio internacional e dos direitos sociais e políticos estabelecidos.
Podemos ilustrar que nesta igualdade da liberdade, obviamente todos excluíam os escravos e libertos dos direitos de cidadãos.
A liberdade, conceito genérico, descia ao concreto das ruas e ao cotidiano de todos.
Devemos afirmar, que ninguém deve pensar que a discussão hipócrita sobre a liberdade, em um país majoritariamente escravista, não chegasse à população dita "de cor", fosse ela escrava ou forra.
Mais ainda, chegava a todos os homens pobres, fossem eles também brancos e despossuídos, como eram parte dos imigrantes lusitanos que aqui chegavam em busca de oportunidades de conquistarem sua autonomia por meio do trabalho.
Assim, observando-se os seus atos podemos afirmar que o fundamental para aqueles homens pobres e despossuídos, "brancos" ou "de cor", era obter diferentes ganhos, que iam de aspectos pessoais até vantagens sociais, econômicas e políticas.
Para os escravos, sem dúvida o maior dos benefícios era a alforria, para a qual muitos – mas nem todos – lutavam com todas as forças.
 Se por um lado não devemos perder do horizonte que homens livres pobres, escravos e forros não tinham necessariamente a mesma interpretação dos direitos naturais que sacramentavam os pactos elaborados pela classe dominante.
Devemos também lembrar que o direito positivo que sacramentou a consolidação dos chamados direitos naturais em códigos, tornando-se fonte inequívoca de direitos e base para a construção de uma determinada cidadania, foi ganhando seu espaço ao longo do século XIX, derrotando outras formas de direito e de entendimento da política e da liberdade.
 Para os escravos, em um primeiro momento, o sonho da alforria pode ter embalado noites de sono.
Os grandes proprietários reclamavam ter que obedecer ao decreto que os obrigava a fornecer 1/5 dos escravos que possuíssem para a guerra, ao passo que os escravos fugiam e se colocavam ao abrigo do comandante para fazer cumprir a lei8.
Não o faziam, evidentemente por patriotismo, mas suas atitudes alimentavam o imaginário do medo da rebelião e causavam pesadelos e preocupação ao povo.
Reclamavam às autoridades sobre os seus direitos de propriedade, não desejando fornecer escravo algum, mesmo sob pena de acusação de não fidelidade à causa nacional. O povo e aliado nos alistamentos, nos combates externos e na construção das fortificações, era uma ameaça porque tentava abrir espaços e construir no cotidiano os caminhos para a liberdade.
Portanto, observamos que a  política sobre a independência e sobre a liberdade, os escravos fizeram uma leitura própria dessas idéias e colocaram-na em prática.
Alguns autores sugerem que é na concepção de liberdade calcada no senso comum em que ao mesmo tempo, os escravos e a classe menos favorecida estariam buscando um maior enraizamento naquela sociedade que estava nascendo com a nova Nação e tentando conquistar um espaço no Estado em construção.
Esta contextualização torna-se também um pouco fora da contextualização, pois para a constituição de um sentimento de nação, os homens têm que necessariamente partilharem a mesma cultura, a qual representa, um sistema de idéias e associações, bem como modos de comportamento e comunicação9.
Os homens pertencem à mesma nação se e só se reconhecerem como pertencentes a ela.10.

Nenhum comentário:

Postar um comentário